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Shein chega no sertão do RN e movimenta oficinas de costura

A chinesa Shein está desembarcando este mês em pleno sertão nordestino. Em parceria com a Coteminas, vai produzir peças em jeans e sarja no polo de confecções de Seridó, região que abarca 24 municípios no Rio Grande do Norte e que opera atualmente com capacidade ociosa – chega a 50% em algumas oficinas de costura.

As confecções têm forte dependência da Guararapes, dona da Riachuelo. “A Shein pode ser a nossa tábua de salvação”, diz Ronaldo Lacerda, dono da confecção Cabugi, em Tangará, município a 88 km de Natal. Desde o início do ano, o empresário já cortou 20% dos funcionários, acompanhando a redução dos pedidos da Guararapes, seu único cliente. No momento, quase metade do maquinário da unidade está parado.

O cenário não é diferente em outras oficinas do polo do Seridó. De três anos anos para cá, a região perdeu clientes como a Hering e a Malwee, que migraram sua produção para outras áreas, por questões logísticas.

O avanço do acordo entre Shein e Coteminas, que tem uma fábrica em Macaíba, na região metropolitana de Natal, mudou as perspectivas para o empresariado local. Em junho, a confecção Cabugi encaminhou amostras de sua produção em jeans à China e o material foi aprovado pela Shein. Lacerda, dono da Cabugi, aguarda, agora, a formalização do contrato com a varejista.

O polo do Seridó concentra a maior parte das 122 oficinas que fazem parte do programa Pró Sertão, do governo potiguar. A tradição em costura na região remonta a década de 1970, mas de 10 anos para cá, com a chegada da Guararapes e sob forte fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT), aumentou o grau de formalização e de cumprimento de exigências trabalhistas nas confecções.

A configuração do polo de Seridó difere de regiões como a do Agreste de Pernambuco, onde a informalidade é alta. Além do desconto de 95% no ICMS, o programa Pró Sertão estabeleceu segurança jurídica nas relações comerciais com as empresas âncoras como Guararapes e Coteminas. As oficinas de costura, também chamadas de facções, ficaram proibidas de “quarteirizar” a produção.

Segundo o secretário de desenvolvimento econômico do Rio Grande do Norte, Sílvio Torquato, por conta do anúncio da parceria entre Shein e Coteminas, há hoje várias empresas querendo aderir ao Pró Sertão. Ele estima que, em até 60 dias, consegue cadastrar mais cem oficinas no programa.

O plano é que a unidade da Coteminas em Macaíba faça o corte das peças. O índigo virá, principalmente, de fornecedores chineses e de empresas nacionais como a Vicunha. As confecções do Seridó ficarão com a parte de costura.

O empresário José Medeiros de Araújo, dono da Zaja Confecções será um dos primeiros fornecedores locais para a Shein. Hoje ele tem 35% de ociosidade na sua oficina, que conta com 131 costureiros. “Ainda não voltei a contratar, vou sentir primeiro o termômetro da [Shein]”, diz. Ele explica que, representando 75% dos custos das oficinas, a mão de obra é a variável mais sensível dos negócios locais. Diante de qualquer recuo do mercado, os empresários precisam fazer cortes rapidamente, sob pena de quebrar.

Não voltei a contratar ainda, vou sentir o termômetro da [Shein]” — José Araújo

Em grave crise financeira, que incluiu demissões e atrasos de salários, a Coteminas deverá receber uma injeção de capital de giro por parte da Shein. No dia do anúncio do acordo, as ações da Coteminas na B3 duplicaram de preço. Ao Valor, a companhia informou que pretende produzir, em parceria com a varejista asiática, 100 mil peças por dia no primeiro ano, e atingir 300 mil, considerando também outras regiões do país. A Coteminas não informou em quanto tempo prevê alcançar esse feito.

Embora a chegada da varejista chinesa tenha dado uma injeção de ânimo aos empresários de Seridó, eles se preocupam com a fraca demanda do varejo de moda, cujas vendas encolheram 0,5% em 2022, segundo o IBGE. Neste ambiente, dizem, a Shein pode tirar mercado de outras varejistas de moda, inclusive da Riachuelo, que se abastece no Seridó.

Segundo estimativa do banco BTG, a Shein faturou R$ 7 bilhões no Brasil no ano passado, mais do que triplicando o que registrou em 2021, enquanto as varejistas locais tiveram avanço de vendas entre 10% e 25,% no mesmo período.

Com elevado poder de barganha, a varejista asiática está ofecerendo às confecções do Seridó o pagamento de R$ 0,58 por minuto, o mesmo valor que é hoje praticado pela Guararapes na região.

A Shein diz que pretende expandir a sua escala de negócios no Brasil para alcançar “o maior número possível de fábricas parceiras”, fornecendo suporte e treinamento aos fabricantes, especialmente em relação à digitalização do modelo de negócios sob demanda. O objetivo é estabelecer parcerias com 2 mil fabricantes locais – hoje são 151 – até o final de 2026. O plano é gerar 100 mil empregos diretos e indiretos no país.

No interior do Rio Grande do Norte, a Shein começará a produzir nos municípios de Acari, Cerro Corá e Tangará. A varejista chinesa diz que também já firmou acordo com confecções em Pernambuco, Bahia e Ceará.

As confecções que farão parte do projeto-piloto com a Coteminas já foram inspecionadas e têm certificação da Associação Brasileira do varejo Têxtil (ABVTEX) em dia, informou a Shein.

A adequação das operações para atender o ritmo da varejista, que opera com estoques baixíssimos, é um desafio para as confecções locais. Cada modelo de peça que chega às facções tem um prazo de “set up”, que inclui a fase de aprendizado dos costureiros, até atingir um nível de eficiência ótimo.

Se ganhar fôlego, cumprindo todas as exigências trabalhistas e tributárias, a produção local da Shein poderá equilibrar mais os preços em relação a concorrentes nacionais. No entanto, a varejista garante que será capaz de manter o mesmo patamar de preços já praticados por meio da redução dos custos com logística. “Com a produção local aumentando, é natural que se diminua os produtos vindos do crossborder, uma logística cara para todos que operam no setor”, diz a Shein.

Mas a importação é importante. A partir de agosto, as compras até US$ 50 serão isentas de imposto de importação de 60%, o que dá uma vantagem importante às plataformas estrangeiras. Não à toa rivais brasileiras como Marisa, Renner e Magazine Luiza, entre outras, estão reclamando ao Ministério da Fazenda, que divulgou as novas regras aduaneiras em 30 de junho.

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